quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Soberano

Ele chega. Todos o reconhecem, mesmo assim continua anônimo. Senta-se em seu trono soberano, imperador, entrega o cajado ao súdito que o posiciona ao lado da árvore.
A fila de miniaturas esperava ansiosa sua chegada. Ele sinaliza e elas vêm.
A alguns metros dali, duas senhoras que reconhecem sua identidade, conversam entre si.
- Ele era um menino tão bom.
- É verdade, eu o segurei no colo.
- Sempre atencioso com seus pais, se comportava muito bem. Um menino de ouro.
- É mesmo. O que será que aconteceu para chegar a este ponto?
As duas senhoras curiosas, entram na fila. Quando chega a vez, o súdito, intrigado, encara-as.
- Vocês não acham que estão muito crescidas para isso?
As senhoras se entreolham e em seguida soltam um sorriso.
- Não é nada disso, o conhecemos e viemos cumprimentá-lo.
- E quem não conhece? Respondeu o súdito deixando-as passar.
O soberano solta um simpático sorriso enquanto se aproximam. Ele sabe muito bem quem são aquelas senhoras.
- Sentem-se no meu colo. Disse ele desconcertando-as.
As senhoras negaram o convite.
- Lembra-se de nós? Éramos vizinhas de sua mãe. Como ela está?
Em seu trono, sem mover os lábios, olhou para seu súdito e pensou: Ela se adiantou e chegou primeiro do que vocês ao céu, ou será que foi ao inferno? O súdito parecendo compreendê-lo soltou um sorriso, fez que sim com a cabeça e se afastou.
- Ela está ao lado do criador. Disse em voz alta.
- ah... sinto muito. Ela era adorável. Mentiu uma das senhoras.
O soberano agradeceu com a cabeça.
- O que vocês querem?
Assustaram-se com a pergunta direta, apesar da voz suave do homem, trocaram olhares e uma delas incitou.
- Nossa! Sua educação de menino se perdeu a caminho da maturidade.
O soberano, de bochechas rosadas, barba e bigode brancos, ajeitou suas vestimentas na tentativa de defender sua pergunta e lembrá-las de quem ele era.
- É meu dever e é o que faço. Falou imponente.  - Atendo a pedidos, isso, se as senhoras se comportaram bem este ano.
As duas examinaram com atenção o homem, parecendo meditar sobre o sentido da pergunta.
- E então, se comportaram? Indagou o soberano.
Desconfiadas e sem resposta, entregaram-se ao soberano.
 - ah, pois bem, foi o que pensei. Jogou no ar sua expressão de desapontamento.
- Não é bem assim. Respondeu a que aparentava ser a mais nova delas. - Eu fui uma moça exemplar. Completou.
A amiga interrompeu com uma risada irônica.
- Vai me dizer que está acreditando nele depois de velha?
A amiga ficou encabulada.
- Eu não, é que... Ficou sem palavras.
- Quer dizer que foi exemplar? A mais velha seguiu provocando. - E as trapaças no bingo e as histórias que inventa do grande amor que perdeu na guerra?
- Não ouse falar uma coisa destas, sabe que não invento nada. Ou você quer que eu fale porque vai à missa todos os domingos? Respondeu com olhar de inquisição.
- Do que você está falando? Gaguejou a amiga.
- Pensa que não sei seus segredos, vai para a igreja se assanhar para os jovens.
- Sua...  Houve uma pausa para escolher as palavras... - Sua velha abusada.
Dizem que envelhecemos e voltamos a ser crianças.
A conversa entretinha o soberano, mas seu súdito veio lhe lembrar de seus próximos compromissos. A fila havia aumentado, então retomou o trabalho e disse:
- Senhoras, senhoras, parem com isso. Vamos, digam, o que querem de mim?
Com as caras enfezadas bramiram, e desta vez, ele era o alvo.
- Por que não vai procurar um emprego de verdade e toma vergonha nesta cara? Você nem velho é. Disse com brados retumbantes.
- E ainda rouba emprego de quem precisa. Eu quase fiquei com pena de você. Sua mãe não iria gostar nada disso.
Ele, na sua majestade, simplesmente fitou-as e conciliou soberano.
- Quem procura o erro dos outros não resolve seus problemas. Vocês são experientes, passaram por tanto nesta vida e mesmo assim escolhem a desavença e vivem solitárias num mundo de intrigas, ao contrário, poderiam saborear a vida com estímulo e alegria, desejar o bem e oferecer amor voluntário.
Estavam desorientadas e seus rostos ficaram rubros como roupa de Noel.
- Aceitam balas? Perguntou enquanto revirava o bolso e oferecia um punhado.
Agradecidas curvaram-se, aceitaram a oferta, beijaram-lhe a mão e continuaram sem colo.